JOGANDO AS COPAS ANTES E DEPOIS DE HITLER
- Lui Fagundes
- 2 de jun. de 2018
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Com a ascensão do nazismo e o advento da 2ª Guerra Mundial, que devastou grande parte da Europa entre 1939 e 1945, duas Copas do Mundo “deixaram de ser disputadas”. Depois de 1938, na França, a briga pelo cobiçado troféu Jules Rimet só voltaria a acontecer no Brasil, doze anos depois. As Copas não aconteceram em 1942, quando a guerra grassava na Europa, e em 1946, porque a economia mundial estava destroçada e não havia nenhuma condição de se pensar em uma disputa de Copa do Mundo. Era tempo de reconstrução na totalidade dos países envolvidos direta ou indiretamente no conflito.
Uma lacuna de doze anos que deixou uma geração de jogadores sem o gostinho de disputar uma Copa. Jogadores como os brasileiros Heleno de Freitas (que estava no auge da carreira) e Tesourinha (que integrava a seleção brasileira desde 1944 e, depois, acabou ficando de fora da Copa de 50 por conta de uma lesão de meniscos); o austríaco Karl Decker (que marcou sete gols em oito jogos pela Alemanha em 1942 – a Áustria fora anexada por Hitler antes da Copa de 38 - e seis gols em oito jogos pela Áustria, entre 1945 e 1946); Faas Wilkes (o terceiro maior goleador de todos os tempos da seleção da Holanda); os argentinos “Tucho” Méndez, Antonio Sastre, Juan Carlos Muñoz, Adolfo Pedernera e José Manuel Moreno (todos integrantes de uma constelação de craques que na década de 1940 ganhou quatro vezes o Sul-Americano de seleções – a nossa Copa América de hoje); József Pecsovszky (que jogou pela Hungria e pela Romênia na “década perdida”); o argentino naturalizado uruguaio Atilio García (oito vezes goleador do campeonato do seu novo país, entre 1938 e 1946); o inglês Tommy Lawton (goleador do campeonato inglês nas temporadas 1937/38 e 1938/39 – isso, supondo que a “guerra” entre Inglaterra e Fifa já tivesse acabado nos anos 1940); os italianos do Torino – Valentino Mazzola, Eusebio Castigliano, Guglielmo Gabetto, Giuseppe Grezar e Virgilio Maroso (que morreram na tragédia de Superga – a queda do avião com a delegação do Torino em 1949; eles eram a base da seleção que viria para o Brasil em 1950, mas poderiam já ter jogado as hipotéticas Copas dos 40); o francês Émile Bongiorni (que integrava o time do Torino e também pereceu no acidente); o marroquino Larbi Ben Barek, o “Pérola Negra” (que jogou pela França entre 1938 e 1954); os espanhóis Paco Campos (cinco gols em seis jogos pela Fúria em 1941/42) e Epifanio Fernández (que junto com Ibáñez, “Mundo” Suárez, Asensi e Gorostiza, formava o “ataque elétrico” do Valencia nos anos 1940 – Asensi jogou a Copa de 50 e Gorostiza, a de 34); o paraguaio Arsenio “El Hombre de Goma” Erico (o maior goleador da história do futebol argentino – ele recusou uma proposta equivalente a 40 carros do ano para vestir a camisa albiceleste na Copa de 38 com duas palavras: “soy paraguayo”); o húngaro Ferenc Szusza (maior goleador da liga húngara e que fazia parte dos “mágicos magiares” até pouco antes da Olimpíada de Helsinque/1952); “Nico” Simatoc (destaque da seleção da Romênia justamente entre os anos de 1940/46), entre outros. Todos nunca chegaram a jogar uma Copa do Mundo, por motivos diversos.
Por outro lado, muitos que jogaram em 1938 poderiam ter brilhado em imagináveis Copas em 1942 e 1946. Leônidas, o Diamante Negro, goleador da Copa de 38; Piola, que em 1942 estava na Lazio e em 1946 na Juventus; Meazza, que poderia ter jogado pelo menos mais uma Copa e se tornado o único tricampeão de verdade (três Copas seguidas); o artilheiro húngaro Gyorgy Sarosi, que tinha só 25 anos na Copa da França; o melhor jogador tchecoslovaco da década de 1930, Oldrich Nejedly, que marcou sete gols nas Copas de 34 e 38, e que chegaria numa Copa de 42 com a mesma idade de Meazza. Infelizmente nunca saberemos quem brilharia nas presumidas Copas de 42 e 46, as Copas que não existiram. Nenhum dos craques citados neste parágrafo estava em condições de jogar a Copa de 50. Sarosi, Nejedly e Meazza já estavam aposentados. Leônidas aposentava-se naquele mesmo ano; Piola ainda jogava no pequeno Novara da Itália, mas com 36 anos foi esquecido.
Todo este preâmbulo sobre a década de 1940, a “década das não-Copas”, é só para dizer que dois jogadores passaram por cima desta lacuna de doze anos. Se as estrelas da Copa de 38 não conseguiram chegar até a próxima Copa, e se a geração que estava bombando na década de 1940 também não chegou a Copa de 50, estes dois alcançaram a proeza de jogar a Copa de 38 (antes de Hitler e o seu nazismo) e a Copa de 50 (depois de Hitler e seu nazismo). Não foram superestrelas, mas foram jogadores acima da média (um deles ajudou sua seleção a conquistar o 3º lugar no Brasil) e deixaram suas marcas na história do futebol de seus países: Suécia e Suíça. Estamos falando de Erik Nilsson e Alfred “Fredy” Bickel.
TODA A CARREIRA COMO AMADOR NA SUÉCIA

A carreira de Erik Nilsson teve início nas categorias de base do Limhamns IF, de sua cidade natal, em 1933, quando ele tinha 17 anos. Zagueiro pelo lado esquerdo, logo chamou a atenção do Malmö FF (hoje um dos três maiores times da Suécia, junto com o IFK Göteborg e o AIK) e no ano seguinte já fazia parte do elenco do clube que defenderia até 1953. À época o Malmö disputava a Divisão 2 Sul (uma divisão inferior disputada em quatro regiões) do campeonato sueco. De cara, Nilsson foi bicampeão desta divisão, nas temporadas de 1934/35 e 1935/36). Depois vieram cinco títulos nacionais na 1ª divisão (1943/44, 1948/49, 1949/50, 1950/51 e 1952/53) e cinco Copas da Suécia (1944, 1946, 1947, 1951 e 1953). Com a camisa azul-celeste do Malmö foram 326 jogos e dois gols marcados.
NAS COPAS DE 38 E 50

Pela seleção sueca foram 57 partidas e duas Copas do Mundo entre 1938 e 1952. Estreou em plena Copa de 38, atuando apenas na decisão do 3º lugar, na derrota de 4x2 para o Brasil de Leônidas e Perácio, no Parc Lescure, em Bordeaux. Doze anos depois, na Copa de 50, Nilsson era titular e capitão da equipe sueca. Jogou todos os cinco jogos em gramados brasileiros, sua seleção classificou-se para o quadrangular final depois de vencer a Itália na estreia, no Pacaembu, por 3x2, e empatar em Curitiba, no Durival Britto (a Vila Capanema), com o Paraguai por 2x2. Na fase decisiva, de cara, a Suécia pegou o Brasil, no Maracanã, e levou uma sapecada de 7x1. Uma nova derrota, agora no Pacaembu, para o Uruguai (3x2) e acabaram-se as chances de título dos suecos com uma rodada de antecedência. Novamente no Pacaembu, a Suécia enfrentou a Espanha (no mesmo horário Brasil e Uruguai decidiam a Copa no Maracanã), que tinha um ponto ganho por empatado com o Uruguai (este mesmo empate permitia que o Brasil fosse campeão empatando com o Uruguai). A equipe capitaneada por Nilsson honrou as cores do país e venceu a Espanha por 3x1, ficando com o 3º lugar da Copa. E como prêmio, Nilsson foi escolhido para a seleção da Fifa da Copa de 50, o que não é pouca coisa. A despedida da seleção aconteceu num amistoso em outubro de 1952, em Estocolmo: empate em 1x1 com a Itália.
DUAS OLIMPÍADAS E DUAS MEDALHAS

Nilsson também disputou duas Olimpíadas, em 1948 em Londres, e em 1952 em Helsinque. O resultado foram duas medalhas olímpicas. Em Londres, ouro, ao bater a Iugoslávia na final, no Estádio Wembley, por 3x1, depois de passar por Áustria (3x0), Coreia do Sul (12x0) e Dinamarca (4x2). Depois dos Jogos, Nilsson recebeu proposta do Milan para se transferir à Itália, mas para isso teria de se profissionalizar e ficaria fora da próxima Copa do Mundo (a Suécia somente passou a convocar jogadores profissionais para a Copa de 58, depois de não se classificar à Copa da Suíça), como aconteceu com os craques (todos parceiros na medalha de Ouro) Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm, que formaram no rossonero italiano o trio Gre-No-Li, e Bertil Nordahl, que foi para o também italiano Atalanta. Muito por conta disso, quatro anos depois, na capital da Finlândia, Nilsson era o único remanescente da equipe medalhista de ouro em Londres. E, por isso, também é o único jogador de futebol da Suécia a ganhar duas medalhas olímpicas. Desta vez veio a de bronze, mas teve um atenuante: na semifinal a Suécia topou com a Hungria de Puskás, Kocsis e Czibor (deste time apenas o defensor Jenö Dalnoki não jogou na Copa de 54 – voltou a defender a Hungria na Olimpíada de 1960, em Roma). Não teve jeito, os húngaros aplicaram uma goleada de 6x0. Antes disso, vitória dos suecos sobre a Noruega (4x1) e Áustria (3x1). Depois, vitória de 2x0 sobre a Alemanha Ocidental e bronze no peito.
MELHOR SUECO DE 1950

Além de ser escolhido para a seleção da Fifa na Copa de 50, Nilsson (que com seu 1,75 m seria considerado baixo para um zagueiro dentro dos padrões do futebol de hoje) recebeu da Federação Sueca de Futebol o troféu Guldbollen (Bola de Ouro) como o melhor jogador sueco daquele ano. E em 2003, oito anos depois de sua morte, entrou para o Hall da Fama do futebol sueco.
ERIK NILSSON
06/08/1916, Limhamn, Suécia – 09/09/1995, Hölviken, Suécia
Copas de 1938 e 1950: Malmö
Primeiro e último clubes: Limhamns e Malmö
UMA VIDA DEDICADA AO GRASSHOPPER

Fredy Bickel deu seus primeiros chutes no clube amador SV Seebach, de Zurique, em 1934, mas logo depois chegou ao Grasshopper Club Zurich, com 17 anos. E por lá ficou até encerrar a carreira, em 1956, aos 38 anos de idade. Atacante, jogou 405 partidas pelo Grasshopper e marcou 202 gols, uma média de praticamente um gol a cada dois jogos. Foram sete títulos da liga suíça ((1936/37, 1938/39, 1941/42, 1942/43, 1944/45, 1951/52 e 1955/56) e nove da Copa da Suíça (1936/37, 1937/38, 1939/40, 1940/41, 1941/42, 1942/43, 1945/46, 1951/52 e 1955/56).
NA SELEÇÃO SUÍÇA COM 18 ANOS

Bickel estreou na seleção helvética com 18 anos, em 18 de junho de 1936, num amistoso contra a Noruega, em Oslo (vitória da Suíça por 2x1). Três dias mais tarde marcou seu primeiro gol com a camisa vemelha, na derrota por 5x2 para a Suécia (que ainda não tinha Erik Nilsson), em Estocolmo. Jogou pela seleção até 1951 e foi convocado para um jogo de despedida em 1954, pouco antes do início da Copa – vitória de 3x1 sobre a Holanda. Foram 71 jogos e 15 gols (o último deles na derrota de 7x3 para a Iugoslávia, em Belgrado, e o mais importante quando empatou o jogo que a Suécia perdia por 2x1 para a Alemanha na Copa de 38. Era o jogo desempate contra os alemães após o placar de 1x1 no primeiro jogo pelas oitavas de final. A Suécia virou para 4x2 e eliminou a Alemanha. Foi titular, tanto em 1938 quanto em 1950. Na Copa no Brasil foi também o capitão da equipe, participando de dois jogos (derrota de 3x0 para a Iugoslávia e empate por 2x2 com o Brasil – não participou do último jogo, a vitória de 2x1 sobre o México, porque a Suíça já não tinha mais chances de classificação ao quadrangular final).
DOIS JOGOS ESPECIAIS APÓS A COPA DE 50

Bickel era o capitão da seleção suíça no primeiro jogo que a Alemanha fez no pós-2ª Guerra, no Neckarstation (hoje Mercedes-Benz Arena), em Stuttgart, em 22 de novembro de 1950, com a vitória dos alemães por 1x0.
Dez dias antes, Bickel havia enfrentado a Erik Nilsson pela primeira e única vez – vitória suíça por 4x2 em Genebra. Tanto Bickel quanto Nilsson eram os capitães de suas seleções. E não faltou oportunidade para este encontro antes. Suíça e Suécia se enfrentaram três vezes depois da Copa de 38. Duas durante a 2ª Guerra Mundial: em 1942 (vitória dos suíços por 3x1 – Bickel marcou um dos gols de pênalti) e em 1943 (1x0 para a Suécia), e uma depois, em novembro de 1945 (nova vitória da Suíça, desta feita por 3x0). Bickel esteve em todos os três jogos, mas Nilsson não participou de nenhum deles.
ÚNICO JOGADOR DE FUTEBOL ELEITO ATLETA DO ANO

Em 1952, Bickel voltou ao Brasil, desta vez com o Grasshopper para disputar a Copa Rio (quase um Mundial de Clubes?). Para o time suíço foi um desastre total: três jogos e três derrotas para Fluminense (o campeão), Peñarol e Sporting de Portugal. Depois da aposentadoria nos gramados Bickel treinou, sem sucesso, o Grasshopper entre 1958 e 1960 e na temporada 1963/64.
Em 1953 foi eleito pelos jornalistas esportivos da Suíça como o atleta do ano. É o único jogador de futebol a receber o prêmio (o recordista é o tenista Roger Federer, que já o recebeu sete vezes), que é entregue desde 1950.
ALFRED “FREDY” BICKEL
12/05/1918, Eppstein, Alemanha – 18/08/1999, Zurique, Suíça
Copas: 1938 e 1950 (Grasshopper)
Primeiro e último clubes: Seebach e Grasshopper
COPYRIGHT © 2018 LUI FAGUNDES (estes textos são parte do capítulo "Seleta" do livro O MUNDO DA COPA DO MUNDO, em produção).
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