O PRIMEIRO SUPER-RESERVA BICAMPEÃO DO MUNDO
- Lui Fagundes
- 29 de mai. de 2018
- 18 min de leitura

GUIDO MASETTI, goleiro e capitão do primeiro scudetto da Associazione Sportiva Roma foi o primeiro (e são apenas dois: o outro é o brasileiro Pepe, nas Copas de 58 e 62) Super-Reserva a se tornar bicampeão do mundo sem ter jogado em nenhuma das duas Copas (Itália/34 e França/38) para as quais foi convocado pelo maior técnico de todos os tempos, Vittorio Pozzo. E Masetti conseguiu a façanha de ser campeão do mundo sem estrear na Azzurra! Vestiu a camisa da seleção italiana pela primeira vez somente dois anos depois de sua primeira Copa em um amistoso contra a Suíça. Ao contrário de Pepe, que já havia estreado dois anos antes da Copa de 58, marcado gols e sido campeão da Taça do Atlântico (Brasil, Argentina e Uruguai) e da Copa Roca (disputa contra a Argentina), mas mesmo assim um Super-Reserva bicampeão do mundo.
O COMEÇO - GOLEIRO POR CAUSA DA MÃE?

Filho de um ferroviário, Masetti deu início, em outubro de 1926, à sua trajetória no esporte (como meio-campista!) no Football Club Hellas Verona, ou simplesmente Verona, clube fundado em 1903 por um grupo de estudantes, que a pedido de um professor de estudos clássicos, recebeu o nome Associazione Calcio Hellas (que significa Grécia); somente em 1919, após o fim da 1ª Guerra Mundial, com a fusão entre a Hellas e uma agremiação menor chamada Verona, o clube alterou o nome para Hellas Verona. No decorrer dessa primeira temporada (1926/27) no Verona, Masetti passou a atuar debaixo dos três paus – segundo uma anedota “veronese”, porque sua mãe dizia que ele suava muito e ela não aguentava seu cheiro após os jogos.
OLIVIERI PEDE PASSAGEM; MASETTI PEDE PARA SAIR

Masetti jogou por quase quatro temporadas no Verona, as três primeiras válidas pela Divisão Nacional e parte da última pela série B – o Verona foi rebaixado na temporada 1928/29. Nesses anos de clube, dividiu a meta com Costantino Dal Maso, Bonifacio Smerzi e Umberto Manzini e, por último, com Aldo Olivieri (apenas três anos mais jovem), que chegou ao clube com 19 anos para a sua primeira temporada em 1929. Olivieri logo virou a paixão dos tifosi gialloblù, e mesmo defendendo o Verona por apenas quatro temporadas, é considerado um dos grandes jogadores (e o maior goleiro) da história do clube. Depois passou por Padova e Lucchese, chegou ao Torino em 1938 e encerrou a carreira no Brescia, em 1943; estreou na Azzurra em 1936 e foi o goleiro titular campeão na Copa da França. Com a preferência por Olivieri, Masetti sentiu que estava na hora de fazer as malas e, ao saber que a Roma estava buscando goleiros, decidiu ir para a capital. O Verona não aceitou perder seu “portiere”, Masetti pediu a rescisão de contrato e ele e clube entraram em litígio. Por alguns meses, para manter a forma, ele passou a jogar por uma equipe amadora de Turim, a US Cavour, no campeonato promovido pela Unione Libera Italiana di Calcio, entidade não ligada à Federação Italiana de Futebol.
TESTES NA ROMA DEPOIS DE TRÊS ANOS DE VERONA

Depois da saída litigiosa do Verona, Masetti precisou passar por uma bateria de testes na Roma. E pela avaliação do técnico inglês Herbert Burgess, a história de Masetti na Roma teria acabado ali mesmo, no período de testes. Ele foi taxativo: “Goleiro como este existem aos milhares por aí…”. Masetti só foi contratado pela insistência do meio-campista Fulvio Bernardini, o Fuffo (e Bernardini não era qualquer um; antes de chegar à Roma passara por Lazio e Internazionale, e era chamado para a seleção desde 1925; foi campeão da Copa da Europa Central, disputada entre 1927 e 1930 e medalha de bronze nas Olimpíadas de Amsterdã. Bernardini se despediria da Azzurra em 1932. Posteriormente, como treinador, foi campeão italiano pela Fiorentina e pelo Bolonha e ganhou uma Copa da Itália pela Lazio; e dividiu o comando da seleção italiana na Euro/76 e em alguns jogos das eliminatórias para a Copa de 78 com Enzo Bearzot). Mas o goleiro não tardou em cair nas graças do técnico. Não era um goleiro espetacular, as saídas de gol em bolas aéreas não eram o seu forte, mas era um goleiro regular e com excelente colocação dentro da pequena área. Sua estreia pela Roma foi em setembro daquele ano no empate por 1x1 com o Modena, pela 1ª rodada da série A.
TORCIDA E VESTIÁRIO NA PALMA DA MÃO

Masetti era um personagem divertido, tinha um ritual quando entrava em campo (sempre mascando chicletes): dava um chute em cada trave e fazia um risco, com as travas da chuteira, do meio do gol até a marca do pênalti. Antes de encarar uma penalidade máxima batida por um adversário tirava uma imagem sagrada (um “santinho”) do bolso interno do calção e fazia uma prece. E, de quebra, conversava com a torcida no intervalo dos jogos no Campo Testaccio, primeiro estádio próprio da Roma, inaugurado em novembro de 1929. Os torcedores o adoravam, e é considerado até hoje como o primeiro e maior goleiro do clube. Uma prova disso é que entrou para o Hall da Fama da Roma em 2015. Nos vestiários, logo após um de seus primeiros jogos ao ver que dirigentes repreendiam jogadores de defesa pela derrota e não se dirigiam a ele, interpelou-os dizendo que ele também tinha culpa no revés e que os gols eram sofridos pela defesa como um todo. Já tinha a confiança, ganhou a simpatia de seus companheiros de clube.
NA COPA DE 34 – CAMPEÃO DO MUNDO SEM NUNCA VESTIR A CAMISA

A primeira convocação de Masetti aconteceu pouco antes da Copa do Mundo de 34. O arqueiro Carlo Ceresoli (da Ambrosiana-Inter), convocado por Vittorio Pozzo para os jogos eliminatórios da Copa – participou do único jogo, vitória de 4x0 sobre a Grécia, em Roma, no dia 25 de março –, se lesionou durante a fase de preparação (a Copa teve início em 27 de maio). Pozzo tinha seu titular, Giampiero Combi e havia optado também por Giuseppe Cavanna (testado na seleção B da Itália, a mesma por onde passou o argentino Enrique Guaita antes da Copa). Anteriormente havia testado os goleiros Ezio Sclavi (Lazio) e Mario Gianni (Bolonha) e não ficara satisfeito. Acabou chamando Masetti às vésperas do torneio. E provavelmente por isso, o arqueiro da Roma foi direto para uma Copa sem ter vestido a camisa da Azzurra antes disso. E mais, como não jogou nenhum jogo durante a Copa em casa, Masetti foi campeão do mundo sem jogar pela seleção.
NA COPA DE 38 – BICAMPEÃO DO MUNDO SEM JOGAR

Entre os anos de 1933 e 1935, a Itália disputou a Copa da Europa Central de Seleções com a Áustria, Hungria, Suíça e Tchecoslováquia. Seus goleiros foram Combi (entre 1933 e 1934) e Carlo Ceresoli (que, curado da lesão, voltou a ser convocado logo após a Copa de 34). Em momento algum, Masetti esteve nos planos de Pozzo. O goleiro da Roma, já campeão do mundo, finalmente “estreou” na Azzurra, em 1936. Foi num amistoso contra a Suíça, em Zurique, com vitória dos italianos, 2x1. O primeiro gol sofrido por Masetti na seleção foi de pênalti, batido por Walter Weiler aos 32’ do 2º tempo, quando o jogo já estava 2x0 (Demaría e Colaussi marcaram para a Itália). Depois disso não foi mais chamado por Pozzo, que testou Giuseppe Peruchetti, do Bréscia, e Ugo Amoretti, da Juventus, antes de voltar os olhos para aquele que seria o seu titular na Copa de 38, Aldo Olivieri (por caprichos do destino, aquele mesmo Aldo Olivieri que chegou ao Verona em 1929 e fez com que Masetti procurasse novos ares), que em 1936 jogava na Lucchese, da cidade de Lucca, e depois da Copa transferiu-se para o Torino.
A partir daí, Olivieri tomou conta da meta da Azzurra. Pozzo convocou também Ceresoli. Sobrava uma vaga e o supertécnico italiano chamou Masetti, não por ser o grande goleiro que era, mas pela sua atuação nos bastidores, nos treinamentos, nos vestiários, na concentração. Masetti era um incentivador nato. Com suas piadas, cantigas e conversas mantinha o alto-astral da delegação italiana. Acabava com a ansiedade dos jogadores mais jovens. Não deixava a “peteca” de ninguém cair. Fez na França o que já tinha feito na Itália quatro anos antes. Foi para isso que Pozzo o convocou e ele fez, provavelmente, fora do campo, um trabalho mais importante que faria dentro das quatro linhas. Mas por ter ido a duas Copas do Mundo e não ter entrado em campo, Guido Masetti é um dos Super-Reservas de O Mundo da Copa do Mundo.
O JOGO DE DESPEDIDA DA AZZURRA

Pozzo concedeu um jogo de despedida a Masetti, já em 1939. E calhou de ser novamente contra a Suíça, em outro amistoso, novamente em Zurique, desta vez com derrota da Itália por 3x1. Ou seja, Masetti ganhou duas Copas do Mundo, jogou pela Azzurra apenas duas vezes, dois amistosos contra a mesma seleção, a Suíça, e os dois jogos aconteceram em Zurique! E foi vazado quatro vezes, o que dá uma média de dois(!!) gols sofridos por jogo.
POR POUCO NÃO TERMINA A AVENTURA NA ROMA

No verão de 1940 as portas da Roma pareceram se fechar para Masetti. Ele estava com 33 anos e havia dez na capital. Entrou em uma lista de dispensa e quase acertou sua transferência para o Padova. Na última hora a negociação fracassou. Ainda tinha vínculo com a Roma, mas não tinha jeito de rolar um acerto e Masetti ficou sem jogar pelo giallorosso por oito meses (entre maio de 1940 e janeiro de 1941). Neste período ele atuou em alguns jogos pela Colleferro, além de treinar a equipe. O técnico da Roma, o húngaro Alfréd Schaffer (dividiu com Károly Dietz o comando técnico da vice-campeã Hungria na Copa de 38) fazia um rodízio entre os goleiros Ippoliti, Rega e Ceresa, mas nenhum deles satisfazia o exigente treinador e a Roma terminou o primeiro turno da Série A na antepenúltima colocação. Sem alternativa, Schaffer pediu a reintegração de Masetti, que “reestreou” em 26 de janeiro de 1941, no empate de 1x1 com o Bolonha e tomou conta, novamente, da meta romanista.
Neste ano, a Roma chegou a final da Copa da Itália, mas perdeu o título para o Venezia (tinha no elenco Valentino Mazzola e Ezio Loik, que mais tarde perderam a vida na tragédia de Superga, que dizimou o Grande Torino da década de 1940; os uruguaios Tortora e Alberti; o medalhista de ouro em Berlim, Puppo; e era treinada pelo italiano nascido em Buenos Aires, Giovanni Rebuffo). Empate em Roma, 3x3 (Amadei marca os três gols da Roma, que abriu 3x0 e viu Mazzola, Diotalevi e Alberti empatarem o jogo), e vitória de 1x0 (gol de Loik) para o Venezia, em Veneza. Esta foi a segunda vez que a Copa da Itália escapou das mãos de Masetti. Na temporada 1936/37, a Roma foi vice para o Genoa em final de partida única e derrota de 1x0. Neste primeiro vice, Masetti jogou as oitavas de final contra o Torino. Depois disso, a meta ficou nas mãos de Cesare Valinasso, que passou duas temporadas na Roma depois de ser bicampeão italiano com a Juventus (1933/34 e 1934/35). Mas o melhor para Masetti ainda estava por vir: a temporada seguinte, 1941/42, aquela que o torcedor giallorosso jamais esqueceria.
A MAIOR VITÓRIA DA CARREIRA DE MASETTI

A maior vitória da carreira de Guido Masetti não foi o título mundial de 1934 nem o bi de 1938. A sua maior vitória foi o scudetto da temporada 1941/42, o primeiro da história da Roma. Foram 16 vitórias, 10 empates e apenas quatro derrotas, 55 gols marcados e apenas 21 sofridos (Masetti jogou 29 vezes; foi substituído apenas uma vez pelo reserva Risorti, que não sofreu gols na vitória de 2x0 sobre a Atalanta, na 22ª rodada). A equipe base era formada por Masetti, Brunella (chegou a jogar pela Itália B), Andreoli, Donati (2 gols; esteve na Copa de 38, mas assim como Masetti, não jogou), Bonomi, Mornese (1 gol; também jogou na Itália B), Coscia (4 gols), Cappellini (4 gols), o albanês Krieziu (6 gols), Amadei (18 gols; participou da Copa de 50) e o argentino Pantò (12 gols). Se houvesse Copa do Mundo em 1942, Pozzo teria convocado Masetti pela terceira vez? Pouco provável. Naquele ano de 1942, Pozzo convocou o goleiro Luigi Griffanti, da Fiorentina, para dois amistosos, Croácia (4x0) e Espanha (4x0). Griffanti saiu invicto, mas nunca mais foi mais chamado.
Masetti teve atuações memoráveis, mas duas delas são destacadas quando se fala no primeiro scudetto romanista: em 28 de dezembro de 1941, a Roma encurralou o time visitante do Torino com mais de 20 chutes a gol sem conseguir marcar, graças a uma grande atuação do arqueiro Bodoira. No último minuto de jogo, o atacante Romeo Menti invadiu a área para marcar o gol do Torino e Masetti se jogou corajosamente a seus pés para evitar o gol que decretaria a vitória d’Il Granata. Final: empate em 0x0; e em 26 de abril de 1942, quando a Roma venceu o Venezia, em Veneza, por 1x0 (gol de Amadei) e com um milagre de Masetti ao defender um chute à queima-roupa de Alberti. O mesmo Venezia para quem a Roma tinha perdido a Copa da Itália um ano antes – dez dos onze jogadores daquela decisão continuavam jogando pelo time da Cidade dos Canais. A Roma foi campeã com 42 pontos; o Torino foi vice com 39 pontos; e o Venezia chegou em 3º com 38 pontos.
A TEMPORADA 1942/43 FOI UM DESASTRE

Já a temporada seguinte foi desastrosa. A Roma ficou em 9º lugar com um aproveitamento de apenas 46%. O treinador campeão, Schaffer, pediu demissão após a 10ª rodada do campeonato a pedido de sua esposa que era dona de uma cervejaria na Baviera, Alemanha. Em seu lugar assumiu outro húngaro, Geza Kertész, indicado por ele. No dia 18 de fevereiro de 1943, Masetti anunciou sua aposentadoria depois de uma lesão no ombro sofrida no jogo contra a Ligúria (válido pela 6ª rodada e que deveria ter acontecido em novembro do ano anterior). Faltavam dez rodadas para o final do campeonato e os arqueiros Ippoliti e Blason se revezaram na meta da Roma.
SEM CAMPEONATO NAS DUAS TEMPORADAS SEGUINTES

Na temporada 1943/44 o campeonato italiano foi cancelado tendo em vista a intensificação das operações dos Aliados em solo italiano: a invasão da Sicília, em julho, e da Itália continental em setembro de 1943. Para não ficarem totalmente inativos, os clubes (os jogadores também precisavam de dinheiro) da região metropolitana da capital disputaram um “campeonato caça-níquel”, com dez clubes e 18 rodadas, em jogos de ida e volta, vencido pela Lazio – a Roma foi vice-campeã por um ponto de diferença (32/31). Masetti passou comandar a equipe do lado de fora do campo, mas na metade do torneio não resistiu e “desaposentou-se”, voltando a jogar em 12 de março de 1944 contra a Juventus Roma (empate por 1x1 – a Juventus Roma iniciou a competição como La Disperata e trocou de nome durante o torneio). Passou a acumular as funções de goleiro e treinador e atuou mais três vezes até o derby com a Lazio, quando depois de uma nova lesão no ombro, anunciou sua aposentadoria definitiva. Para a equipe não ficar com um jogador a menos, Masetti, com o ombro enfaixado, foi para a extrema esquerda do campo, enquanto o meio-campista Paolo Jacobini passou para o gol. Em junho, um torneio quadrangular, envolvendo Roma, Lazio, Mater e Tirrênia, terminou com o título para Lazio, que venceu a Roma por 3x2.
Já para a temporada 1944/45 vários torneios foram criados para manter as equipes em atividade, além da realização de alguns jogos amistosos. A Copa Cidade de Roma aconteceu entre novembro de 1944 e janeiro de 1945 - a Lazio não participou e a Roma sagrou-se campeã. Entre 21 de janeiro e 14 de maio foi disputado o Campeonato Laziale (da região do Lácio, da qual Roma é a capital), com praticamente as mesmas equipes que participaram do campeonato metropolitano no ano anterior. A Roma conquistou o título com a Lazio ficando com o vice-campeonato. E aconteceu a disputa de outro torneio quadrangular (desta vez com Roma, Lazio, Fiorentina e Livorno); na final a Roma venceu a Lazio por 1x0 em 27 de maio de 1945. Masetti permaneceu todo este período como treinador do gialorosso.
UM FRACASSO COMO TÉCNICO?

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, o campeonato italiano voltou a ser disputado. A temporada 1945/46 teve um fórmula diferente: dois grupos (um no Norte e outro no Centro-Sul) e uma fase final com os quatro melhores de cada grupo. A Roma, agora comandada por Giovanni Degni, se classificou em 3º lugar na primeira fase, mas na etapa final ficou apenas com o 6º posto. Como consolo, a rival Lazio nem participou da fase decisiva. Masetti afastou-se da Roma e comandou por alguns jogos a Viterbese, na Série C, nesta mesma temporada. Já na temporada seguinte dirigiu o pequeno Gubbio, também na Série C, conseguindo o feito de levar a equipe à Série B. Mas Masetti não permaneceu no Gubbio para a temporada seguinte (no seu lugar assumiram Giovanni Battistoni e Alessandro Fornasaris, que também era jogador do clube). Depois de um ano longe dos gramados comandou o Rimini nas temporadas 1948/49 e 1949/50, também na Série C. Os resultados não apareceram. Na segunda temporada de Masetti no Rimini o clube ficou a dois pontos de cair para a Quarta Série (o equivalente a uma Série D, mas que ainda não era chamada assim).
O MENOS CULPADO DA QUEDA DA ROMA

Em maio de 1951, Masetti foi chamado às pressas pela diretoria da Roma para assumir a equipe no lugar de Pietro Serantoni, seu ex-companheiro de time e titular da Itália na Copa de 38. A Roma tinha feito apenas seis pontos nas últimas dez rodadas (vitória ainda valia dois pontos). A equipe era a lanterna do campeonato com 21 pontos. O aproveitamento de Serantoni no comando era de apenas 36% (13 pontos em 18 jogos). Masetti seria o terceiro técnico da equipe na temporada. Antes de Serantoni, Adolfo Baloncieri (ex-jogador do Torino e que participou de três Olimpíadas (1920/1924/1928), ficando com o bronze em Amsterdã) dirigiu a Roma em 15 jogos, obtendo apenas oito pontos (26% de aproveitamento). O ex-capitão comandou a Roma nos últimos cinco jogos (vitórias em casa sobre Sampdoria (5x0), Fiorentina (3x0) e Milan (2x1); empate fora com o Torino (0x0); e derrota fora contra a Udinese (1x0)). Foram sete pontos ganhos em dez disputados (um aproveitamento de 70%), mas não o suficiente para livrar a Roma do único rebaixamento de sua história.
Masetti chegou à última rodada ainda com chances de salvar a Roma, mas dependia de tropeços de Genoa, Padova (que vinha de quatro derrotas), Triestina e Lucchese. Teria que vencer o Milan em casa e depender de, pelo menos, tropeços de dois dos clubes citados. Venceu o Milan de virada por 2x1 (com gols do sueco Knut Nordahl e Armando Tre Re), mas Padova, Triestina e Lucchese também venceram. Apenas o Genoa tropeçou. Com o aproveitamento de Masetti nos cinco jogos bastaria que tivesse sido chamado um jogo antes e a Roma estaria salva (acabaria na frente de Lucchese, Padova e Genoa). Claro que isso na análise fria dos números. Mas sem dúvida, o nome do grande Masetti não ficou manchado com o descenso da Roma. Os grandes culpados foram os dois técnicos anteriores: Baloncieri (que dali para frente só conseguiu treinar o clube suíço Chiasso em duas temporadas e o Palermo (apenas cinco jogos na temporada 1954/55 da Série B) e Serantoni (que encerrou a carreira de treinador após o desastre no comando do giallorosso). Não é preciso dizer mais nada…
A SEGUIR: DUAS QUEDAS NO MESMO ANO

Talvez para esquecer o descenso da Roma e mudar de ares, Masetti aceitou, em abril de 1952, o convite para comandar o Palermo nos últimos sete jogos da temporada 1951/52 da Série A, substituindo a Remo Galli. Com duas vitórias, três empates e duas derrotas, seu aproveitamento foi um pouco melhor que o de Galli e o Palermo terminou no meio da tabela. Mas Masetti se “autorebaixou” na temporada seguinte e passou a treinar a Reggiana na série C. O time ia de mal a pior e Masetti pediu demissão após a rodada 24 (derrota em casa por 1x0 para o Taranto, no dia 8 de março) e assinou contrato para dirigir a Lucchese no restante da temporada na Série B. Largou a Reggiana na zona de rebaixamento, em penúltimo lugar (caíam quatro equipes). No seu lugar assumiu o ex-jogador da Reggiana, Alcide Violi, que arrancou com duas vitórias: 4x0 no Vigevano e 2x1 no derby contra o Parma. Dois dias após o jogo contra o Parma, dirigentes da equipe derrotada apresentaram uma denúncia à Federação Italiana de Futebol de tentativa de suborno feita pelo vice-presidente da Reggiana, Carlo Degola (sobrenome mais apropriado impossível!), que teria oferecido 800 mil liras para que o Parma perdesse o jogo. Uma das testemunhas era o conde Alberto Rongoni, ex-conselheiro da Federação. A punição saiu em 9 de abril: a Reggianna foi penalizada com a perda de 20 pontos (todos os pontos que obtivera até o jogo contra o Parma). Isso fez com que o clube ficasse com a lanterna do torneio e caísse para a Quarta Série.
Masetti escapou deste vexame, mas com o resultado de seu trabalho a Reggianna cairia de toda forma. Do que Masetti não escapou foi de ser rebaixado com a Lucchese da Série B para a C. Com isso, foi praticamente rebaixado duas vezes na mesma temporada. Na Lucchese, Masetti chegou somente na 25ª rodada. Era o sexto treinador do clube na temporada (antes dele, Rodolfo Brondi, Nereo Marini, e o comando compartilhado entre os jogadores Enrico Boniforti, Carlo Scarpato e Tomasso Maestrelli). Pegou a equipe com 17 pontos e deixou com 20 (foram três empates e sete derrotas). A Lucchese já teria sido a lanterna da temporada com esses 20 pontos, mas ainda foi penalizada com a perda de 18 pontos, também por tentativa de suborno para favorecer resultados (seu ex-treinador Brondi foi acusado de tentar subornar o zagueiro Alfredo Piram, do Catânia, para favorecer seu ex-clube na 27ª rodada, no jogo entre as duas equipes), terminando o campeonato com apenas dois pontinhos. Temporada para Masetti borrar do seu currículo de “allenatore”.
SEIS JOGOS NO PISA EM 1954 E “MAIS UMA” QUEDA
Depois de quase um ano fora do futebol, Masetti comandou o Pisa nos últimos seis jogos da temporada 1953/54 da Série C. Outro desastre. Cinco derrotas e um empate. Pegou o clube na zona de rebaixamento e o levou direto para a Quarta Série.
E “MAIS UMA” QUEDA NA TEMPORADA 1955/56
Depois de um temporada de intervalo, Masetti voltou a dirigir um clube na Série C. Desta vez é a Colleferro. Masetti comandou a equipe até a 29ª rodada, sendo substituído por Fosco Risorti, seu reserva na conquista do scudetto e que continuava como goleiro da Roma no ano do descenso. O trabalho de Masetti mais uma vez foi ruim. Entregou o time para Risorti com 25 pontos (aproveitamento de 43%) e o ex-companheiro venceu seis de dez pontos possíveis, deixando a Colleferro com 31 pontos, perdendo apenas no saldo de gols para o Pavia, primeiro clube fora da zona de rebaixamento. Mais um clube que Masetti ajudou a levar para a Quarta Série.
E QUASE A ROMA DESCE PELA SEGUNDA VEZ

Masetti foi chamado para comandar a equipe romanista mais uma vez, em 1957, no que parecia ser somente um tranquilo “fecho” de temporada. Chegou no seu antigo clube na 30ª rodada do campeonato. Faltavam apenas cinco jogos. A Roma era comandada pelo húngaro György Sárosi (jogou as Copas de 34 e 38, sendo vice-campeão na Copa da França), que não aceitou as condições de renovação de contrato propostas pelo clube e pediu demissão. A equipe somava 29 pontos, na 8ª posição, e Masetti quase pôs tudo a perder (literalmente, porque perdeu quatro jogos – Juventus (3x2), Milan (3x1), Atalanta (4x1) e Bolonha (3x2) – e só ganhou do Napoli (2x1)). O gialorrosso acabou em 14º lugar, dois pontos apenas à frente da Triestina, a primeira na zona de rebaixamento. Para o presidente da Roma, Renato Sacerdoti, devem ter sido semanas de pesadelos, de acordar molhado de suor desejando ter feito uma proposta melhor a Sárosi. Masetti deveria ter encerrado a carreira de treinador depois desse sufoco, mas ainda treinou a Romulea, de Roma, por duas temporadas entre 1958 e 1960 na Série D (o nome da divisão mudou de Quarta Série para Série D em 1959). O clube ficou no meio da tabela nas duas temporadas (9º e 8º lugares, respectivamente).
MASETTI NA LAZIO???

São pouquíssimos os que sabem ou lembram (os tifosi giallorossi preferem esquecer) que o maior goleiro da história da Roma defendeu as cores da rival Lazio em três partidas amistosas na pré-temporada 1931/32. O clube biancoceleste conseguiu um empréstimo temporário de Masetti junto à Roma para suprir a ausência de seu arqueiro Ezio Sclavi, por sua vez cedido (também por empréstimo temporário) à Juventus, envolvida na disputa da Copa da Europa Central de Clubes. Masetti jogou o 1º tempo (foi substituído no intervalo por Bonadeo quando o jogo estava 2x2) do empate contra o Livorno por 3x3, em 25 de agosto. Em 30 de agosto, na Suíça (sempre a Suíça na vida de Masetti…), a Lazio enfrentou um Combinado Suíço, em Berna, com derrota por 3x1: Masetti jogou os 90 minutos. No rodízio com Bonadeo, Masetti ficou fora do jogo seguinte, também em gramados helvéticos: vitória da Lazio por 6x4 contra o Lausanne. Nesta Lazio jogavam “apenas” nove brasileiros: Amphilóquio Guarisi (Filó), Del Debbio (jogou na seleção brasileira desde 1929, mas não foi à Copa de 30), Pedro Rizzetti (Pepe – participou de um jogo pela seleção brasileira), Enzio Serafini, Fantoni I (Ninão), Fantoni II (Nininho, que jogou, ao lado de Filó, pela seleção italiana, o jogo eliminatório contra a Grécia, mas acabou ficando fora da Copa de 34), André Tedesco, José Castelli (Rato) e Alexandre de Maria (que jogou pela seleção B da Itália). Todos os dez gols marcados pela Lazio nos três amistosos foram anotados por brasileiros: Ninão (4), Rato (3), Filó (2) e de Maria (1).
E não foi só… a situação se repetiu em 1º de janeiro de 1933. Masetti foi novamente emprestado para a Lazio (e de novo para suprir a ausência de Sclavi, que havia sido chamado por Pozzo para um amistoso da seleção contra a Alemanha, na mesma data). Enquanto Pozzo testava Sclavi na Azzurra, Masetti era obrigado a jogar amistosos no arco do maior rival. E detalhe: Sclavi não participou do jogo e nunca mais atuou pela Itália. Pelos laziales, Masetti entrou em campo para um amistoso, em Roma, contra o Urânia, de Genebra (mais um clube suíço!). Vitória da Lazio por 4x3 (gols de Ninão, Rato, Filó e do italiano Buscaglia). Dos brasileiros citados anteriormente, apenas Tedesco não estava mais na Lazio. Voltara ao Brasil em 1932 para jogar no Corinthians. Em compensação, chegara mais um brasileiro: Duilio Salatin (foi do Palmeiras para a Lazio, ficou uma temporada e retornou ao Palmeiras).
O BAR MASETTI
Masetti geriu por alguns anos na década de 1940 um bar no famoso Largo di Torre Argentina, na zona do Campo de Marte, na Roma Antiga. O bar virou ponto de encontro dos giallorossi (principalmente quando a Roma vencia), mas apesar do agito inicial, o negócio não engrenou e Masetti preferiu fechar as portas e ganhar a vida somente como treinador.
UMA VEZ ROMA, SEMPRE ROMA

Assim como a Roma nunca saiu de Masetti, Masetti nunca saiu da Roma. Depois de encerrar a carreira de treinador ele atuou por algum tempo como observador (olheiro), tentando encontrar talentos para o clube romanista. E continuou frequentando o clube, conversando com os goleiros, dando dicas para os mais novos, mostrando para os mais experientes como trabalhar suas deficiências e aprimorar ainda mais seus pontos fortes.
Guido Masetti morreu em Roma, a cidade que escolheu para viver, onde conheceu sua mulher, Vera, que lhe deu a única filha, Cabiria, em 27 de novembro de 1993, aos 86 anos.
OS NÚMEROS DE MASETTI

Pelo Verona, Masetti entrou em campo 58 vezes e levou 124 gols. Uma média alta de 2,13 gols sofridos por jogo. Na meta do giallorosso sua média melhorou bastante. Em 364 jogos com a camisa da Roma, Masetti foi buscar a bola no fundo das redes em 398 oportunidades, uma média de 1,09 gols por jogo.
Na Azzurra foram apenas dois jogos, e amistosos. Por coincidência, ambos contra a Suíça e ambos em Zurique. O primeiro em 05 de abril de 1936 (Masetti estreou na seleção italiana já com o título de campeão do mundo), quando a Itália venceu por 2x1. E o primeiro gol que Masetti levou defendendo a esquadra azul foi de pênalti, anotado por Walter Weiler, que jogou a Copa de 34 pela Suíça.
No seu segundo e último jogo pela Azzurra, Masetti não teve tanta sorte: os comandados de Vittorio Pozzo levaram 3x1 dos suíços, em 12 de novembro de 1939 (Masetti disputava seu segundo jogo pela seleção já com o título de bicampeão do mundo). Detalhe: Fredy Bickel, um dos dois únicos jogadores a atuar em Copas antes e depois da Segunda Grande Guerra (o outro foi o sueco Erik Nilsson), esteve em campo pela seleção suíça.
Guido MASETTI
22/11/1907, Verona, Itália / 27/11/1993, Roma, Itália
Copas: 1934 e 1938 (Roma)
Primeiro e último clubes: Verona e Roma
COPYRIGHT © 2018 LUI FAGUNDES (este texto é parte do capítulo “Super-Reservas” do livro O MUNDO DA COPA DO MUNDO, em produção).
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